quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
"Duas metades Iguais"
Difícil encontrar um título para este post amigos. Acho que passei a entender o que Gessinger falava sobre a complexidade do disco "o papa é pop", naquele momento da carreira, quando passei a escrever sobre este álbum. O que Augusto Licks definiu como uma ação incidental no discurso da banda tem a ver com as abordagens que este quarto CD do GLM trabalha: isolamento, militarismo, ilusão, religião, arte, sucesso.
Poderia definir todos estes temas girando em torno da palavra “solidão”, mas acho que o trabalho desenvolvido no Várias Variáveis aborda com maior profundidade este tema.
“O papa é pop” é um puta disco complexo (primeiro autoproduzido) e talvez as sombras dos edifícios de 30 andares tenham encoberto com o sucesso de alguns hits, tudo aquilo que de verdade é dito nele.
O EXÉRCITO DE UM HOMEM SÓ – Gessinger/Licks
Para mim esta música é o ápice da parceria entre Humberto e Augusto, embora algumas vezes “Canibal” tente roubar este posto nas minhas convicções. Lembro da primeira vez que escutei esta música, numa época em que nem mesmo sabia que a música era dos Engenheiros do Hawaii. Duas coisas me chamaram atenção, o clima de suspense da introdução e a imposição que é passada com as letras no refrão.
Na Introdução desta música temos duas coisas que os Engenheiros passariam a utilizar na seqüência de sua carreira e que dava margem a exuberância de uma banda em trio e a fuga das limitações que ela pode te oferecer. Talvez os críticos da época não entendessem o uso dos Midipedalboards (que traziam aquela atmosfera fantasmagórica da introdução) como algo novo no som dos Engenheiros. O riff que Augusto Licks toca na introdução é feito com um violão, apesar de no restante da música ele utilizar sua steinberger. Nos primeiros shows da turnê do papa, Augusto utilizava um suporte para seu violão, com isso ele poderia tocar a introdução com o mesmo timbre da gravação do disco.
As citações começam pelo próprio título da canção, “O Exército de um Homem Só” foi o primeiro livro de Sclyar que li. Quando comprei logo busquei o que era citado dele na canção, mas acabei encontrando algo maior. A frase “ser culpado ou ser capaz, tanto faz” talvez tenha um significado menos profundo para quem ainda não leu esta excelente obra. O livro “As portas da percepção” de Aldous Huxley que em sua temática tinha muito do discurso solitário desta música também é citado. O The Doors trabalhou seu discurso neste livro de forma ainda mais complexa e profunda.
Abrir as portas da percepção para o Doors era algo mais associativo as drogas e a quebra dos conceitos impostos pela sociedade, para os Engenheiros do Hawaii era como uma solitária invasão do espaço aéreo soviético.
Na versão do disco, temos um riff feito pelo baixo quanto pela guitarra que nos remete à militar “canção do expedicionário”. Nas turnês futuras um sampler era acionado antes de “exército” começar com um trecho desta canção: “por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra, não permita Deus que eu morra sem que volte para lá”.
Carlos faz um bom trabalho, utilizando bem a bateria eletrônica no final das estrofes e na virada para o refrão e inserindo uma importante bateria militar ao final da canção. Final este que nos brinda com um belo solo que Augusto foi melhorando mais ainda nas futuras turnês.
Frase favorita: “nossa trajetória não precisa explicação (e não tem explicação)”
ERA UM GAROTO QUE, COMO EU, AMAVA OS BEATLES E OS ROLLING STONES – Miglieacci/Lusini/versão Os Incríveis
Outra música que tem início com midipedalboard e Augusto Licks fazendo um riff marcante, mas desta vez utilizando a guitarra ao invés do violão. Esta introdução já estava na versão dos Incríveis, apesar destes terem de certa forma “tirado inspiração” de uma música do The Byrds chamada “Mr. Tambourine Man”. Carlos também utiliza da bateria eletrônica em alguns trechos. Este é um disco de bateria simples, porém marcante (literalmente).
Não vou me prolongar a falar mais do que já foi dito sobre a letra desta canção. Apesar de estar tocando esta música desde a turnê do Alívio, acho que foi importante para a abordagem que eles queriam para o próximo álbum. Como Humberto escreveu em seu livro, a guerra do golfo e outros acontecimentos da época eram propícios.
Além de citar na letra as músicas “Help”, “Ticket to Ride” e “Yesterday” dos Beatles e “Lady Jane” dos Stones, havia também citações de riffs como no refrão onde na versão do disco, no trecho “Stop com Rolling Stones” eles tocam o riff de “Under my Thumb” e em “Stop com Beatle´s songs” escutamos a introdução de “Here Comes the Sun”. Na versão ao vivo, eles costumavam tocar o riff de “Satisfaction” dos Stones e a introdução de “Lucy in the sky with Diamonds” dos Beatles. Alguns hinos e jingles também foram citados nesta música, no solo original além do “hino da independência” temos uma parte do “Pra Frente Brasil” também tocada pelos Incríveis. Nas versões ao vivo eles tocaram o jingle da campanha do Lula, uma outra parte famosa do Hino da Independência (Brava Gente Brasileira).
Pra quem leu o tópico do Hollywood Rock 1990. O meu amigo Fernando Lima me passou a resposta do riff final tocado pelo Augusto naquela versão de “Era um garoto”. Trata-se do jingle do Brizola para a campanha presidencial em 89. Valeu Fernando!
Frase favorita: “no peito um coração não há, mas duas medalhas sim” e todos os hinos tocados.
O EXÉRCITO DE UM HOMEM SÓ II - Gessinger/Licks
“Exército II” começa exatamente com o mesmo riff que dá o final de “Exército I”. “Era um garoto” apenas faz a transição... coisa do progressivo...
Destaque para o riff final da guitarra do Augusto e os trocadilhos de Gessinger com a palavra “sentido”.
Frase favorita: “somos quase livres, isto é pior do que a prisão”
NUNCA + PODER – Gessinger/Licks
“Nunca mais poder” é uma música em que Gessinger inicia o tema que é desenvolvido com mais força na música título do disco. Propor a eternidade do pop, não apenas o pop como rótulo musical, o pop aonde ele puder ser alcançado. Enfim, como nos posts dos outros discos, não gosto de me prender a interpretação das letras, que uma letra possa sempre surpreender.
Esta é uma música de arranjos simples, em vista da complexidade de riffs e técnicas que a banda vinha fazendo até então.
Detalhe para o riff final desta música, se vocês prestarem bem atenção, a última frase de guitarra dessa música é justamente a introdução de “pra ser sincero”.
Frase favorita: “todo mundo é moderno, todo mundo é eterno, quem cura, quem envenena, quem gera e quem extermina”.
PRA SER SINCERO – Gessinger/Licks
Esta música começa com um instrumento clássico nos anos 80. Um belíssimo piano rhodes tocado por Humberto Gessinger. Esta é a primeira música da banda gravada com Humberto a frente de um piano. Num primeiro momento da música, apenas Humberto fazendo a base e o riff que tanto marcou esta canção. No refrão, Augusto Licks aciona seus teclados dando um clima sombrio para a música. Os sussurros antecedem ao último trecho antes da entrada da bateria eletrônica de Carlos fazendo a marcação.
Uma certa vez minha amiga Karen falou que ouviu sobre uma interpretação desta música que falava sobre infidelidade, traição, dois amantes, algo do tipo. Confesso que é uma boa leitura, mas....
Esta é uma música especial para mim, foi a primeira música dos Engenheiros que aprendi a tocar no violão. Minha mãe não agüentava mais me ver pegando o violão para tocar a introdução desta música.
Frase favorita: “somos suspeitos de um crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos”
OLHOS IGUAIS AOS SEUS – Gessinger
Sou muito fã desta música. Uma letra realmente incrível, quem aqui nunca escreveu ou pensou em escrever para a pessoa amada esta canção?
Assim como “pra ser sincero”, começa com Gessinger a frente da voz e piano. Augusto entra com sua steinberger branca e logo depois a bateria eletrônica e o teclado também são acionados. Augusto volta a solar depois de algumas músicas sem solo. A música termina com um efeito de voz distorcida de Humberto brincando com as palavras e o sentido da frase: “o que faz as pessoas parecerem tão iguais” e “o que fazem as pessoas para serem tão iguais”
Frase favorita: “uma nuvem cobre o céu, uma sombra envolve seu olhar”
O PAPA É POP – Gessinger
A voz anunciando no início da música “o pop não poupa ninguém” já é uma das marcas desta música. Nas turnês rolava também um sampler que ao ser disparado escutávamos “aleluia!aleluia” e depois vinha outro disparo para “o pop não poupa ninguém”. Bem legal!
Licks já manda ver em sua guitarra, Gessinger fez uma linha legal para seu baixo e Maltz continua marcando. Acho que Gessinger nesta música foi um visionário no que diz respeito ao mercado fonográfico e no que se tornou a música brasileira em todo seu contexto. “Por que esse medo de ficar pra trás” foi algo que as bandas de rock dos anos 80 trouxeram pra elas mesmas, questões pequenas como aparecer ou não no cassino do Chacrinha era o que as bandas discutiam entre elas. Os Engenheiros na Hebe, no Viva a noite do Guga, no Babilônia ou no Fausto Silva era parte do discurso desta música e deste álbum. Até isso fez parte do conceitual. No underground ou no mainstream... fodam-se estas questões.
Frase favorita: se você pensar na frase “toda catedral é populista” e lembrar da discussão sobre o aborto nesta última eleição, vai concordar comigo que trata-se de uma boa frase.
A VIOLÊNCIA TRAVESTIDA FAZ SEU TROTTOIR – Gessinger
A sinistra introdução começa com o baixo e um sutil teclado base no fundo. Então entram a guitarra e a bateria e a música ganha sua forma. Apesar de muitos fãs acharem uma puta música complexa de se tocar devido ao seu tamanho, acho que ela alterna momentos com uma linha de baixo e guitarra simples para depois termos algumas partes mais sofisticadas (os solos nessa música falam por si só). Aos 3 minutos e 10 segundo de música temos uma entrada de algo como uma guitarra invertida que introduz a um dos solos de Augusto que mais curto (este solo me lembra muito os jogos do Mega Man X que jogava no meu antigo Super Nintendo).
Temos numa segunda parte da música a participação da alegre maquinista Patrícia Marx reforçando os conceitos de Gessinger para o disco.
Frase favorita: “todo suicida acredita na vida depois da morte”
ANOITECEU EM POA – Gessinger
Uma das introduções que mais curto dos Engenheiros. Uma boa música pra tu escutar caminhando na tua cidade. As caminhadas de Gessinger por Porto Alegre renderam essa boa música, onde você nota o retrato de pequenos detalhes da cidade que muitas vezes passam desapercebido no cotidiano das pessoas (a luz vermelha do walkman na escuridão, a luz vermelha no alto dos edifícios, as pessoas em seus carros fugindo dos engarrafamentos), a dor vermelha dos colorados ardendo nos finais de tarde no beira-rio.
Gessinger também escreve a música de forma a se ligar no tempo, apontando sempre as horas no decorrer da música.
Depois Gessinger usa de samplers que retratam grandes momentos vividos ali naquela cidade com o Grêmio campeão sul-americano e mundial, a ascensão da Igreja Universal naquele período também não passa batido no rádio de um taxi.
A madrugada a dentro vira uma manhã de sol citada em várias formas, inclusive com “here comes the sun” dos Beatles e o trecho “the sun is the same in the relative way but you are older” de “time” do Pink Floyd.
Esta já é uma música mais complicada. Algumas quebras de ritmo, violão sendo introduzido em “eu trago comigo os estragos da noite”, talvez por esta complexidade eles tenham tocado ela tão pouco na turnê.
Frase favorita: “eu trago comigo os estragos da noite”
ILUSÃO DE ÓTICA - Gessinger
Esta foi uma música que de cara gostei. Na primeira audição já estava bastante feliz em conhecer “ilusão de ótica” e isso raramente acontece comigo. Gostar de uma música logo de cara é algo complicado pra mim. Esta música me fez atentar mais para o jogo de palavras que Gessinger utilizava em tuas composições (com 16 anos tu pensa mais no rock´n roll do que na métrica da coisa).
As linhas de baixo e a guitarra são bem trabalhadas, riffs bem feitos! O solo também muito bom.
No final temos uma brincadeira com a letra da música sendo cantada ao contrário, assim como as guitarras em A violência Travestida. Esqueçam que vou comentar sobre mensagens subliminares pois aqui é um blog para fãs de Engenheiros, sobretudo GLM. Prefiro comentar sobre o que Gessinger escreveu na passagem ao contrário, já nos aventurando com um trecho de “o sonho é popular”, ridicularizando as matérias da revista Bizz com o trecho “Jesus salva/salve as baleias/safe sex” que diziam: as letras de Gessinger eram copiadas de frases de parachoques de caminhão. “O futebol brasileiro são várias camisetas com a mesma propaganda de refrigerante” nos remete ao ínicio da década onde a Coca-cola patrocinava diversos times do futebol brasileiro, além da seleção brasileira (algo como o banco BMG faz hoje com uma proporção financeira menor).
Frase favorita: “eu surPREENDO você que não me PRENDE”
PERFEITA SIMETRIA – Gessinger
Esta é a música que menos curto do álbum, apesar de achar tua letra bem bacana. A simetria pode ser vista em mais de um aspecto. Tá no lance conceitual do disco, quem quiser viajar na letra pode ir num lance tipo “teu maior defeito, talvez seja a perfeição”.
Eu prefiro viajar no lance de que “O Papa é Pop” é um disco simétrico não para a discografia dos Engenheiros, mas para o trabalho do GLM ele é o disco que divide em “duas metades iguais” o trabalho destes 3 camaradas.
É o divisor de águas entre o “revolta”, “ouça” e “alívio” para o “várias”, “glm” e “fgca”.
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6 comentários:
Nunca vi nada tao pedante, mau escrito e sem proposito.
As cancoes falam por si, contente-se em ser um ouvinte, pegue seu ego de fã de fé e enfia no rabo. Patético
Muito legal cara! nunca tinha parado pra analisar o disco dessa maneira!
É isso que faz com que uma banda não se torne efêmera, o conteúdo verdadeiro!
abraç
Bem feita essa resenha, não havia notado alguns detalhes do disco, o que me deixou mais apaixonado por GLM. Só faltou citar os detalhes da capa: A semelhança com o single dos Incríveis "Hino da Independência", as cores do Flamengo pelo fato do Papa ter vestido uma camiseta do time, as nuvens vermelhas no logotipo indicando o pôr-do-sol portoalegrense, o Yin-Yang (religiosidade, equilíbrio)... No mais, parabéns!
Parabéns pela resenha e blog meu caro. Muito bom.
As citações ao título do gremio são o unico pecado do LP ...
Mestre parabéns e não esqueças das 3 obras primas posteriores! já estou no aguardo...e sim tb tenho tudo de 87 a 94 e sofri um duro golpe aos meus 13 anos saber q nunca iria ver meus idolos juntos...ao vivo...pena e detalhe engenheiros é so glm o resto e resto...
tiago
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